Joga-se às cegas, por afeto e por crença. É esse o mote: ativar as
ligações que unem os vários artistas e os vários corpos de trabalho.
Uma cegueira, como uma anulação das razões da superfície, essas que
justificam uma relação.
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Começa assim: fixa-se um momento. Um rosto num tempo. Uma
fisionomia específica de um dia específico, não antecipável e não repetível senão na expressão desse mesmo dia, desse mesmo momento:
uma noite mal dormida, uma zanga contida, uma confiança reprimida,
o melhor dia da vida, uma azia descontrolada, uma foda mal dada, uma
carteira roubada, uma felicidade desmesurada.
Protejo-lhes a cara do contacto que fere, um cuidado primário. Aplico
as ligaduras encharcadas de água gelada. Progressivamente o gesso
endurece, encolhe, aquece. Cobrem-se até as orelhas.
Tirei-lhes do rosto os moldes.
(Atirei-os para a prateleira. Putativos.)
Continua assim: cede-se a um privilégio; fecham-se todas as entradas
e saídas. Constrói-se um acervo de relações, outras. Está muito escuro.
Deixo-me estar.
(Alegoria da Caverna.)
E então toco em todas as peças, arrasto-as, carrego-as, tiro tudo do
lugar, procuro alguma ordem. Ponho alguma luz. Tropeço, levanto-me –
“Quando alguém me apronta um tombo / Eu logo me levanto / Se
disser que não me espanto / Estou querendo me enganar”. Quebrei o
elo.
Rasguei a parede e saí.
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*Um projeto curatorial de Tiago Alexandre com os artistas convidados:
ANA VIDIGAL (PT)
BINELDE HYRCAN (AO)
DE ALMEIDA E SILVA (PT)
FERNÃO CRUZ (PT)
HORÁCIO FRUTUOSO (PT)
JOÃO PEDRO VALE +
NUNO ALEXANDRE FERREIRA (PT)
NIKOLAI NEKH (PT)
NUNO NUNES-FERREIRA (PT)
SARA MEALHA (PT)
TIAGO ALEXANDRE (PT)
VERA MOTA (PT)